
Meu plantão de quinta=feira foi um doa mais puxados de minha longa vida de enfermeira da emergência.
Houve um tiroteio entre dois grupos rivais na Favela do Quasímodo, e quando a polícia chegou os dois bandos de traficantes se viraram contra a força policial - o hospital da região ficou apinhado de gente, então começaram a enviar alguns de seus feridos para os outros hospitais.
Quando entrei no plantão, às 18 horas, do estacionamento, onde coloquei meu carrinho zerinho que só tinha dois dias de dervirginado (lindo, meu fofinho), já dava pra perceber o caos.
Quase que eu me benzia, tomava banho de pimenta, andava sobre brasa viva, entrava no mar de costas - mas como sou cética, nem "ai meu deus" eu disse, só respirei fundo e fui lá: Coragem menina, quem já enfrentou o quevocê enfrentou pode encarar essa sem medo!
Quando faltavam uns dez minutos pra meia noite, ouvi o silêncio pela primeira vez naquela noite - consegui entrar no banheiro e fazer o xixi mais delicioso de minha vida. Mas quando deu duas horas, os corredores estavam limpos, o silêncio da madrugada começou a se misturar com o frio da leve geada que iniciava, aí pensei: Um banho, um bom e demorado banho, um café bem quentinho e doce e um cochilo de 15 minutos, hoje fiz valer meu salário do ano todo.
Mas como alegria de pobre dura bem poquinho, a ambulância chegou com um paciente ferido à bala.
Jovem, bonito e forte, o rapaz estava lúcido e nos contou que fora alvejado por um marido ciumento.
Nas aferições iniciais, medimos sua PA, temperatura, verificamos se era diabético, hipertenso, aquelas coisas de praxe, até que lhe perguntei:
- Você possui alguma alergia?
- Sim, doutora - sou alérgico a bala.
Eu não pude me conter e soltei uma grande e ruidosa gargalhada.