quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Sorte

Pior que um rico soberbo é um pobre soberbo. Auflásio Pinto Dário Generoso Edno Francisco Antônio Pedro Tiago João de Figueiredo Batista Gumercindo da Rocha e Sales Benício Amoroso da Silva, filho de João da Cruz e de Dona Ana da Cruz, nascido naqueles cafundós dos sertões quentes de escorrer miolo pelos ouvidos, orgulhava-se de tão grande nome, que significa nada, mas que sempre fazia com que os outros passassem dois minutos o ouvindo falar ou dez o vendo escrever. Na escola, Tiradentes não tinha nome grande, até D. Pedro I com seus quinze nomes perdia pra ele por três.
A fome braba obrigouo casal João e Ana se mudarem pra cidade, e foram morar em Jucá, a cidade de dez mil habitantes. Dois anos depois viriam para São Luis, tentar a vida. A favela em que morava não aguentava mais a arrogância do rapazinho, que ía a pé pra escola porque não tinha trocados pro ônibus, não merendava na escola porque a merenda escolar era pobre e porque seus pais não tinham dinheiro para que ele comesse sequer um xilito da vida ou chupasse um picolágua (daqueles que vem em saquinho e além de água e açúcar leva um pouco de suco em pó).
Como todo mundo que nasce a tendência é crescer, cresceu.
Homem já, não conseguiu outro trabalho que não fosse coveiro.
Quando lhe perguntavam em que trabalhava; "Faço um trabalho auspicioso, mas que me dá prazer. Faço-o com tanta desenvoltura que jamais um cliente reclamou".
Não serviu o exército porque soube que tinha que ser praça e eu não sou homem de ficar recebendo ordem de cabo!!
Como o mundo dá suas voltas, Auflásio, certo dia fazendo uma denta de emagrecimento, foi para seu spa, tomar uma saúna e depois iria malhar um pouco para tomar um merecido banho quente... Traduzindo: estava com tanta fome que a única opção era ir pro barraco com teto de zinco, quente de doer, tão minúsculo que a fumaçao do fogareiro empestava todo o ambiente, e iria tomar um banho de mangueira, que vinha lá da venda do seu Olavo, atravessando mais ou menos 25 metros no sol do meio dia.
No caminho de casa, quando fazia seu passeio diário, do centro à favela, mais oumenos 3 horas de caminhada, encontrou uma carteira novinha. Pegou-a, examinou seus bolsos de notas, os bolsos de documentos, o ziperzinho do porta moedas... nada encontrou de valor, a não ser um papel amassado, da caixa econômica federal...
A carteira era boa, guardou-a no bolso... em casa, transferiu seus documentos para ela e jogou a velha carteira de papel no lixo...
Sempre soberbo, dizia que seu motorista o levaria ao trabalho em sua limosine de seis metros de comprimento, falava do ônibus, e adorava comida francesa: pouchêt (ovo cozido) era seu preferido...
Naquele dia, recebeu proposta para trabalhar em uma agência bancária como vigilante, aceitou... sua vida começou a melhorar, mas dinheiro na mão de quem não sabe gastar não se reproduz, e vivia na pindaíba...
Seis meses de trabalho, aquele sufoco. Chegou em casa, amarrotado, sua mãe ouvindo o rádio, vem a seu encontro em sua suíte (dormia na cozinha que dava pro banheiro).
- Fii, eu tava mexeno nas tua coisa e achei esse papér. Preguntei o que era e o moço da farmaça falô que era um jogo de uma tal loteria e que se ocê tiver sorte ganha um dinherão.
- Tá, amanhã vou numa lotérica perto do trabalho...
Pra quê??!! Passou a noite em claro... sonhou com a casa que iria comprar, com os seis carros que compraria, com as mulheres, das revistas e calendários amassados embaixo de sua malinha que já grudavam de tanto suor e sêmen de tanto amá-las, que viriam implorar seu beijo e seus afetos. Com as roupas, com, até que enfim um relógio de pulso e uma televisão... Coisa que só via nos shoppings centers... E ria-se de tanta felicidade, "rico ri à toa, também não custa nada imaginar" (Vinícius de Moraes).
Cedinho levantou-se, e partiu, rumo à lotérica mais próxima... aguardou atá às oito horas... entrou e foi logo falar com a mocinha do caixa:
- Moça, bom dia. (o ar soberbo na fronte), pediram-me que fizesse o favor de verificar quantos pontos este jogo fez, por favor.
- Bom dia... me dê aqui...
- Vixe é de abril, estamos em outubro, mas deixe eu ver... hum... jogo sete, meia, oito... hum, ramo vê... hum... hum... tá aqui, sim, tá aqui...
- Deixe-me ver: dois, dois... quinze, quinze... vinte e um, vinte e um... vqinte e dois, vinte e dois... tá indo bem..
- trinta, trinta... cinquenta e nove... cinquen... ta... e... nove...
- Valha meu Deus, vixe Maria rapaz, você ganhou... Arre égua, você ganhou...
- Como é?
- É isso, você ganhou o prêmio, do jogo 768, veja as dezenas 2, 15, 21, 22, 30 e 59... o prêmio é de quarenta e dois milhões de reais setecentos e vinte e um mil...
- E como eu faço pra receber isso moça?!
- Você vai ter que ir na caixa econômica federal...
Mais rápido que depressa, Auflásio voou até a caixa econômica federal mais próxima... Sua arrogância e soberba agora o deixava mais alto que girafa de salto alto... Foi gerente sem se anunciar... de pé em sua mesa:
- Sei que vocês funcionariosinhos públicos gostam de uma propinazinha, mas vou logo lhe dizendo que comigo isso não funciona...
- Moço, disse a senhora setentona que estava sendo atendida, eu estava...
- Estava, minha senhora, estava...
- Olhe seu gerente, tenho mais de quarenta milhões para receberem sua agência, que poderão se transformar em poupanças aqui, ou em outro banco... atenda-me logo ou vai atender essa velha pobre??!!
- Senhor, ela estava na fren...
- Sei que o senhor não vai querer problemas comigo, quem pode te ferrar mais, eu ou ela??
- Tá bom, meu filho, atenda esse jovem apressado...
A contragosto o gerente pega o bilhete do rapaz, confere os números:
- Certo, o jogo está correto, o senhor ganhou extamente R$ 42.721.398,27,po...
- Sei que posso abrir uma poupança ou tocar fogo nele, eu vou querer abrir uma conta com cheque, cartão de crédito e tudo o que tenho direito...
- Como eu dizia, continuou o gerente, pooorém, o direito a receber o dinheiro prescreveu há cinco dias... agora pegue sua arrogância e...
- Perdoe-me senhora pelo termo...
- Vá pra pu...

3 comentários:

Anônimo disse...

Ok

TonMoura disse...

além de arrogante, é burro!
mas, tudo bem, ele poderia ter se tornado, além de arrogante e burro, um endividado ou mais uma vítima fatal de seqüestro. As vezes a pobreza é uma bênção.
Muito bom o blog. Bom rever teus escritos.

Marcos Pontes disse...

Pô, camarada, nem pra avisar que estava blogando... Começou muito bem, quero ver isso aqui abarrotado. Sucesso!