quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A ACROBATA SUICIDA


Amecides está muito triste hoje... nascera e vivera sempre sob as lonas no Majestoso Circo Platô. Em toda a sua vida de quinze anos estivera envolvida com malabares, trapézios e animais circenses, aquela era sua vida... cidade a cidade, o mesmo picadeiro, pipocas, músicas, estradas, caras novas... mas (sempre tem um mas) ano passado tivera sua primeira paixão: Artamírio, o novo domador de leões.

Artamírio, 28 anos, jovem, forte, lindos olhos verdes, bíceps e lábios irresistíveis, mais pela lábia que pela aparência...

Amecides ficou à mercê do domador, às escondidas, seu pai, o domador mais antigo, jamais sonhara com tal aproximação entre os dois.

Em quatro meses de namoro, Amecides entregara-se a Artamírio, que a transformou em mulher precocemente.

Ela já apresentara-se como palhacinha, malabarista em solo, mas hoje, sua festa de debutante seria a estréia como trapezista...

Seu corpo leve, sua flexibilidade e agudez de percepção estão a seu favor para o espetáculo da noite... só o que Amecides não contava era ver Artamírio no camarote da assistente do mágico... ela vira os dois no mais absurdo momento de intimidade, que nunca caberia um dos dois dizer "não é nada do que você está pensando", haja vista que por ver aquilo não precisava se pensar em nada.

Desnorteada, Amecides, a Deusa do Ar, iria estrear com grande dor em sua alma adolescente... como ele me troca por aquela, aquela, velha.

Ainda ecoam em sua mente os sussurros e gemidos que Artamírio dissera aos ouvidos da assistente de vinte e um anos de idade: "quem precisa de garota se tem uma mulher nas mãos..."

Trêmula, Amecides subiu os mastros sem saber o que fazer, sua alma angustiada lhe dizia que ela deveria saltar da vida naquela noite...

Os pensamentos suicidas estavam cada vez mais fortes em seu latente coração juvenil... o desejo de vingança...

Este ato faria com que Artamírio se sentisse culpado pela sua morte.

Este ato faria com que Artamírio se sentisse culpado pela sua morte?

Já fizera o bilhete suicida dizendo que não suportando a dor da traição, sua decisão estava tomada...

Degrau a degrau da escada, mais decidida estava a menina em saltar para a morte....

Grande estréia, casa cheia, manchete no jornal, entrevista na televisão...

Amanhã seria a notícia da cidade, talvez até do país.

No alto do mastro, aplausos, o balanço dos trapezistas mais experientes, o delírio da platéia pela grande estréia, o coração amargo, as luzes, as músicas, o estrelato, a televisão, a fama...

Divina, Amecides saltou, pegou o trapézio como ensaiara, fez piruetas, flaps, mortais duplos, mortais triplos, de frente, de costas... os aplausos...

Descera como astro que nasce, bri-lhan-te...

Subira como menina magoada, descera como mulher que sabe o que quer da vida: brilhar.

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