segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Saudade de ser pobre

Hoje eu vi um casal andando de bicicleta, tinham por volta de vinte anos de idade, feições de casados; ele pedalando, ela sentada no varão, olhares tristes, mas felizes em terem um ao outro... senti-me nostálgico, deu-me saudade de ser pobre... Relembrei o tempo em que andava a pé, indo e vindo do trabalho debaixo do sol-do-meio-dia do nordeste brasileiro, mal chegando em casa, tendo que sair a pé novamente para a faculdade... Os dias nos quais ía fazer compras na feira, sol da manhã de sábado pelando o cocoruco, contando as moedas no dia quinze do mês, passando o resto do mês a pão e água para minha filha ter pelo menos leite e ovos para degustar e não morrer de inanição... Lembrei-me das noites choradas junto à esposa, pela falta do que prover para o dia seguinte; das noites em claro brigando com todos os deuses e demônios que permitiam aquele misêre, sem sequer palavras de consolo... o que é que consola a fome? o que é que consola um pai, quando a filha arde em febre, a chuva cai lá fora, o crédito na farmácia não existe e não há medico que consulte de graça? o que é que consola a geladeira vazia, a despensa vazia, a esperança vazia, a mente vazia, a barriga vazia? Lembrei também de coisas boas: o tempo em que me contentava em irmos a pé a uma fazenda que ficava a treze quilômetros da cidade, para tomarmos um banho no açúde e nos sentirmos bem, embora o retorno fosse um cansaço de morte. Em tempo de vacas magras, qualquer ovo cozido consola! Um passeio na praça servia como estímulo, não tínhamos tantas necessidades, bastava-nos comer, vestir e acordar no dia seguinte. Eu não tinha as preocupações deste milênio. A última vez que perdi 1% do investido em ações, perdi o equivalente a vinte vezes o que recebia em dois anos naqueles tempos... Minhas últimas preocupações: o seguro de milhares de reais do carro importado; uma aporrinhação na classe econômica da Air France quando fui a Madrid, embora tivesse comprado "A" colocaram-me na "turista" com um pessoalzinho mal-educado; o tempero do faisão... e outras coisas desse tipo. Tive até saudade do tempo de pobre, quando morava na periferia e fiquei exultante em poder comprar uma televisão preto e branca da Telefunken e uma bicicleta Caloi, com o mesmo décimo terceiro... quanta alegria senti em poder pagar todo o fiado na mercearia da esquina... tempo em que os sequestradores não rondavam minha casa, não tinham pego minha filha e eu tive que pagar muitos dígitos para reavê-la (que não sei porque se apaixonou pelo sequestrador e foi visita-lo às escondidas três vezes no presídio). Senti saudade do tempo que minhas doenças eram gripe, virose (nome que se dá pra qualquer doença que não se sabe o que é) e diarréia. A preocupação não tinha nome de estresse; as dores de cabeça não era enxaqueca; as tonturas que sentia eram causadas por fome e não por um aneurisma; as doenaçs me levavam para a cama, não para o túmulo... Vi o casal pobre de bicicleta e senti saudade do tempo em que vivia

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