segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Peraí que o pé que tá doendo é o meu!!!



Tem muito filho de uma égua que não se toca. Se toda a plantação de se mancol do mundo fosse desmanchada em chá pra ele, ele simplesmente olharia pra você com aquele olhar pela metade e diria: é comigo?
A cara de pau do sujeito é tão grande que no inverno dá mofo e no verão racha... aquelas crateras nas bochecas do indivíduo não são marcas de espinha, são locais atacados por cupim.
Tô indignado com uma porrada de gente que merece um sei lá o quê, sei lá onde, sei lá dado por quem, pra vê se muda esse negócio que nem sei como definir... é isso aí!!! É muita indignação!!!

Se eu fosse violento ía estourar a cara de uns babacas...
Uns se transvestem de políticos (que ao pé da letra quereria dizer que era o indivíduo que mora em uma polis e tem o direito e o poder de decidir pelo bem da comunidade, bem como aquele que vive e atua na polis), e transvestidos se esquecem que quando deixarem seus cargos serão cidadãos comuns... baralho!!! Enquanto não deixam seus troninhos, legislam todos os tipos de merda que temos que engolir; pagar todos os tipos de micos que temos que passar; sofrer todas as espécies de afrontas que podemos suportar; presenciar as mais variadas formas de injutiças, preconceitos, injúrias, que conseguem impor aos outros...
Ah! um livre arbítrio bem grandão!!, daqueles do tipo "O Todo Poderoso", num peido eu destruiria essa gente envergonha a espécie humana. (Sim, num pum, porque não iria fazer biquinho com a minha boca em direção a eles);
Mas não são só os políticos, tem aqueles comerciantes que sonegam todas as formas possíveis e impossíveis de impostos, reclamam seus pseudodireitos (porque quem não paga tem direito a quê) e exploram ao máximo aos trabalhadores que mal têm o que comer depois do dia quinze do mês...
E aquelas peruas que andam na rua com o pescoço tão empinado que seus chifres quase encostam nos fios de alta-tensão!!! Fazem de conta que desconhecem a vida dura de quem tá na rua, mas sua pose é sustentada por um tipo de prostituição menos digno que daquelas meninas na beira-mar, que trocam sexo por drogas, cerveja ou murros daqueles que não querem pagar.

Assim existem os que primam pela irresponsabilidade profissional; os que sentam nas calçadas pra fazer chacotas dos idosos, dos doentes, dos loucos, dos cães e gatos, que passam...
Tem ainda aqueles "politicamente corretos" que se sabem tão corretos que enchem o saco dos outros porque fumam, bebem, comem carne, e se tornam "socialmente incorretos e inconvenientes"...
Tem os religiosos que criam fábricas de dinheiro nas consciências maculadas dos fiéis que procuram desesperadamente expurgar seus pecados e culpas, embora eles mesmos não sintam culpa alguma pelo que fazem, afinal "não estão fazendo o mal, estão fazendo o bem em amaciar os fardos dos outros"...

O pior de tudo é que se a gente chegar até um desses e disser isso, ou eles não aceitam as carapuças, ou dizem: "É, eu também conheço gente assim" e começam a citar nomes de seus adversários e, ou, desafetos...
Tô cansado dessa gente tão cheia de brio, como disse Fernando Pessoa, eu desejo encontrar seres humanos como eu, que acertem e errem, que digam a verdade e mintam, e saibam que mentem; que têm virtudes e defeitos, que cometem atos impensados, que se arrependem de um mal-feito, quetambém não se arrependem de outros mal-feitos e até os repetiriam. Pessoas que cometam atos profanos, que façam o errado às escondidas, pelo prazer de fazer o errado... Cansei de super-heróis e de pessoas-corretas!
Por favor, no dia que encontrarem pessoas normais, me chamem pra conhecê-las

Na construção

"Operário" - Cândido Portinari

Antônio levantou-se às cinco da manhã, abraçou Alvinar com tanto ardor naquela manhã, com tanta paixão como se fosse a primeira, ou a última vez. Alvinar entregou-se despudorada, sabendo que apesar de seus trinta e dois anos de idade, Antônio seria o último a possuí-la como mulher.
Ela o sentiu magnífico como uma máquina: enérgico, rijo, rápido em seus movimentos.
Beijaram-se ardentes, como se pressentissem o último beijo. Ela se sentia a única mulher dele, não a primeira, a única. Esquecera-se de Margarida, de Delícia, de Delorges, de Clelea e sua irmã Claura, de Liliose, Libera, e todas as demais.
Amor feito, caminho seguido, não sem antes um grande e ardente beijo. Como o cartão que ele batia ao entrar na obra, tinha que selar a saída de casa com um beijo, lógico! Senão, se preparasse para chegar em casa e encontrar um barraco feito:
- Por que você não me beijou quando saiu de manhã? Tava pensando em quem?, etc, etc.
Enquanto a mãe de seus filhos lhe preparava a mesa do café da manhã, ainda com as pernas trôpegas, Antônio fora beijar seus pequenos Antinar, Alvônio, Antinavônio, Alvinatônio e Aanário, o caçula de meses de nascido.
Cada um lhe era único, cada um lhe era a alegria e a preocupação, o motivo de regresso do trabalho, o motivo do trabalho, a terra firme que visitava todas as noites antes de dormir e todas as manhãs antes de partir ao labor. Sabia que todos lhe deixariam um dia, a ele e a Alvinar, mas também sabia que no dia que quisessem retornar, a porta estaria aberta.
Com a marmita de bóia-bem-quentinha, que estaria bem friazinha na hora de comer, atravessou a rua com aquele passo de quem não sabe olhar para cima, de quem não sabe encarar aos outros, cambaleando suas pernas pelo cansaço, logo chegou à construção.
Subiu a construção com a destreza de quem já tem anos de ofício na construção civil, nem parecia que há poucos dias aquela parede era um misto de areias e água. Junta massa, cimento, areia e água; liga a argamassa, junta com tijolos e rápido ergue as paredes sólidas, num desenho lógico, dois-um-dois, fazendo a mágica da união das paredes com as colunas, com as vigas, com os tetos, umbrais das portas... paredes flácidas com a massa molhada, sólidas quando a massa secar, indestrutíveis para os moradores, quando ficarem rebocadas.
Antônio pensou como o operário em construção, de Vinícius. Negou-se pensar, pois via seus olhos lacrimejarem, “como eu irei explicar pros colegas porque tô chorando!!?”
Seu olhar corria o horizonte e viu num instante de tempo todos os prédios, todas as obras, as casas, praças, museus, escolas, igrejas e ruas... o tráfego intenso formado por pequenos carrinhos que mãos como a sua ajudaram a criar. Criaram, como ele criava agora aquele prédio.
Vertigem, vertigem... resolveu sentar-se um pouco para o café.
Sentou-se tranqüilo, como se não precisasse levantar depois; ficou de cócoras como um pássaro e tranqüilo como um príncipe. Pegou seu feijão-com-arroz que trouxera de casa e sonhou-se nababo com uísque, caviar, que só conhecia pelo nome. O cansaço e a fome que o cansaço traz fizeram-no engolir rapidamente a comida, como uma forrageira devora as palhas e as tritura. Tomou seu gole de q-suco como se fosse champanha, engoliu o líquido como se tivesse sede de náufrago.
Brincou com os colegas ao se levantar, ouvindo aquele velho radinho que nos domingos de tarde lhe narravam o futebol e de noite lhe embalavam o sono. Saiu e tropeçou num cabo de aço que não percebera havia deixado pendurado, para puxar o próximo elevador que iriam colocar na obra de mais de dez andares.
Tropeçou, saltou, voou.. flutuando, sem jeito de escapar, Antônio viu o chão se aproximando rapidamente, braços abertos como um pássaro; vento no rosto e silêncio, como num sábado na praia, flutuando como se soubesse o que fazia, como se tivesse todo o poder nas mães.
No chão, Antônio encontrava-se agora torcido, múltiplas fraturas, disforme como um pacote vermelho, sem nada dizer, sem grito soltar.
Morreu Antônio, como milhares de antônios, no meio da rua, sozinho. Morreu no meio da rua atrapalhando o tráfego e os motoristas insensíveis que reclamam o engarrafamento: “Logo agora, que estávamos prontos para sair da cidade e irmos curtir o final de semana na praia!!”

Saudade de ser pobre

Hoje eu vi um casal andando de bicicleta, tinham por volta de vinte anos de idade, feições de casados; ele pedalando, ela sentada no varão, olhares tristes, mas felizes em terem um ao outro... senti-me nostálgico, deu-me saudade de ser pobre... Relembrei o tempo em que andava a pé, indo e vindo do trabalho debaixo do sol-do-meio-dia do nordeste brasileiro, mal chegando em casa, tendo que sair a pé novamente para a faculdade... Os dias nos quais ía fazer compras na feira, sol da manhã de sábado pelando o cocoruco, contando as moedas no dia quinze do mês, passando o resto do mês a pão e água para minha filha ter pelo menos leite e ovos para degustar e não morrer de inanição... Lembrei-me das noites choradas junto à esposa, pela falta do que prover para o dia seguinte; das noites em claro brigando com todos os deuses e demônios que permitiam aquele misêre, sem sequer palavras de consolo... o que é que consola a fome? o que é que consola um pai, quando a filha arde em febre, a chuva cai lá fora, o crédito na farmácia não existe e não há medico que consulte de graça? o que é que consola a geladeira vazia, a despensa vazia, a esperança vazia, a mente vazia, a barriga vazia? Lembrei também de coisas boas: o tempo em que me contentava em irmos a pé a uma fazenda que ficava a treze quilômetros da cidade, para tomarmos um banho no açúde e nos sentirmos bem, embora o retorno fosse um cansaço de morte. Em tempo de vacas magras, qualquer ovo cozido consola! Um passeio na praça servia como estímulo, não tínhamos tantas necessidades, bastava-nos comer, vestir e acordar no dia seguinte. Eu não tinha as preocupações deste milênio. A última vez que perdi 1% do investido em ações, perdi o equivalente a vinte vezes o que recebia em dois anos naqueles tempos... Minhas últimas preocupações: o seguro de milhares de reais do carro importado; uma aporrinhação na classe econômica da Air France quando fui a Madrid, embora tivesse comprado "A" colocaram-me na "turista" com um pessoalzinho mal-educado; o tempero do faisão... e outras coisas desse tipo. Tive até saudade do tempo de pobre, quando morava na periferia e fiquei exultante em poder comprar uma televisão preto e branca da Telefunken e uma bicicleta Caloi, com o mesmo décimo terceiro... quanta alegria senti em poder pagar todo o fiado na mercearia da esquina... tempo em que os sequestradores não rondavam minha casa, não tinham pego minha filha e eu tive que pagar muitos dígitos para reavê-la (que não sei porque se apaixonou pelo sequestrador e foi visita-lo às escondidas três vezes no presídio). Senti saudade do tempo que minhas doenças eram gripe, virose (nome que se dá pra qualquer doença que não se sabe o que é) e diarréia. A preocupação não tinha nome de estresse; as dores de cabeça não era enxaqueca; as tonturas que sentia eram causadas por fome e não por um aneurisma; as doenaçs me levavam para a cama, não para o túmulo... Vi o casal pobre de bicicleta e senti saudade do tempo em que vivia