Quando me descobri soropositivo, eu tinha 35 anos e estava indo para meu terceiro casamento. Crisólita contara-me de sua condição de +, no início de nosso namoro, porém não tive preocupações quanto a isso, pois sei que com o tratamento adequado a doença pode nunca desenvolver-se... arrisquei-me.
Se não tinha medo, não tinha porque fugir disso. Tomávamos mais cuidado para evitar uma gravidez, que a transmissão do HIV. Assim, passaram-se alguns anos, até que casamos.
Ela, com todos os cuidados, deu-nos dois filhos: Iklácio e Xinfona... a quem aprendi a amar logo de cara... Gestação cuidadosa, parto de gêmeos sempre inspira cuidados, nesse caso então...
Parece-me que quanto mais cuidado temos por uma pessoa, mais nos apegamos a ela. Não sei se Exupèry estava certo ao dizer que ficamos muito presos às pessoas que precisam de nós, e vejo que às vezes nós sentimos necessidade de cuidar de alguém...
O certo é que éramos muito felizes, os quatro.
Crisólita foi excelente mãe, até o dia em que viajou em um ônibus que ía a Recife. O ônibus desviou-se da rota e levou dezessete pasageiros ao céu, entre eles a mãe dos órfaos que criei sozinho.
Não casei novamente para não dar madrasta aos meus filhos...
Fomos a um centro de especialidades médicas em Manaus que cuida de doenças infecto-contagiosas para as consultas regulares de Crisólita e pegar os resultados de meus exames religiosamente trimestrais...
Desta vez, a assistente social me chamou à sua sala... disse num tom cerimonioso que já podíamos esperar por um resultado desses, afinal manter relações sem o devido cuidado pode levar ao contágio...
Eu pensei que reagiria melhor, quando a notícia me chegasse, mas nunca transpareci para Crisólita que estava em choque com a infecção... iniciei imediatamente o tratamento...
Dois anos depois, minha Crisólita fez aquela viagem.
Fiz o que pude para criar nos meninos o desejo de serem pessoas de bem... Hoje Iklácio e Xifona são médicos, e bem conceituados em sua áreas...
Sempre que posso cuido deles, os visito, providencio que seus planos saiam da melhor forma possível para eles, lembrando que nem sempre o que agrada é o que é realmente bom...
Assim, Senhor, vim à sala do trono, dizer-lhe que aceito deixá-los à sua sorte, e que comandem suas vidas sem o meu auxílio, afinal, como o Senhor mesmo falou, já faz nove anos que morri e eles têm idade suficiente para andarem sozinhos.