Um homem solitário subia as escadas da morte, pensando sua desventura... sem pai, sem mãe, sem irmãos, sem amigos, sem filhos, sem mulheres, sem dinheiro, sem motivo algum para viver, nem para morrer...
- Em quem vou colocar a culpa pelo salto? Escrever bilhete suicida pra quê, se não tenho ninguém que o leia?... se não tenho a quem dar satisfação?...
- Só o vazio em minha mente e em meu peito...
- Não tenho memórias tristes ou boas para recordar, que me impulsionem a subir, nem a descer...
Passo a passo, degrau a degrau, cada vez mais perto do céu, cada vez mais perto do Inferno...
A escada que lhe levaria ao topo, não o levaria para baixo...
- Eu poderia estar subindo de elevador, mas poderia encontrar alguém no elevador que me dissuadisse do ato treslocado... a escada é mais solitária e mais poética...
- Ah, como é bela a vista daqui de cima, esse vento que me assanharia o cabelo se eu não fosse calvo...
- Cuidado ao subir no pára-peitos, se eu escorregar e me machucar não terei forças para o salto...
De uma janela no prédio da frente, um garoto tetraplégico, sentado em sua cadeira de rodas olha para cima e vê o homem... e acompanha com seu olhar incrédulo o vôo vertical, radical, último...
No caminho da descida o homem vê o menino, e vê que uma lágrima descia em sua face pálida de nunca ter sentido o sol - a pólio o havia acometido na primeira infância... o menino viu o homem passar rápido-raio por ele... o menino balança a cabeça dizendo não, meneando-a lateralmente enquanto a água salgada lhe escorria pelo rosto...
- Por que ele chora, se nem me conhece?... ah, se eu pudesse retornar ao topo, perguntaria a ele por que ele chora por algém que não conhece!!!
Olha para cima, e vê o roso do menino ficar vermelho de choro, mas a descida é rápida e não vê mais nada...
O vidro fechado da janela do menino não lhe permite ouvir o barulho surdo do contato do corpo contra o chão...
E o menino chora a morte de quem não conhece, e chora a sua triste vida, que também desconhece.