segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Salto

Um homem solitário subia as escadas da morte, pensando sua desventura... sem pai, sem mãe, sem irmãos, sem amigos, sem filhos, sem mulheres, sem dinheiro, sem motivo algum para viver, nem para morrer...
- Em quem vou colocar a culpa pelo salto? Escrever bilhete suicida pra quê, se não tenho ninguém que o leia?... se não tenho a quem dar satisfação?...
- Só o vazio em minha mente e em meu peito...
- Não tenho memórias tristes ou boas para recordar, que me impulsionem a subir, nem a descer...
Passo a passo, degrau a degrau, cada vez mais perto do céu, cada vez mais perto do Inferno...
A escada que lhe levaria ao topo, não o levaria para baixo...
- Eu poderia estar subindo de elevador, mas poderia encontrar alguém no elevador que me dissuadisse do ato treslocado... a escada é mais solitária e mais poética...
- Ah, como é bela a vista daqui de cima, esse vento que me assanharia o cabelo se eu não fosse calvo...
- Cuidado ao subir no pára-peitos, se eu escorregar e me machucar não terei forças para o salto...
De uma janela no prédio da frente, um garoto tetraplégico, sentado em sua cadeira de rodas olha para cima e vê o homem... e acompanha com seu olhar incrédulo o vôo vertical, radical, último...
No caminho da descida o homem vê o menino, e vê que uma lágrima descia em sua face pálida de nunca ter sentido o sol - a pólio o havia acometido na primeira infância... o menino viu o homem passar rápido-raio por ele... o menino balança a cabeça dizendo não, meneando-a lateralmente enquanto a água salgada lhe escorria pelo rosto...
- Por que ele chora, se nem me conhece?... ah, se eu pudesse retornar ao topo, perguntaria a ele por que ele chora por algém que não conhece!!!
Olha para cima, e vê o roso do menino ficar vermelho de choro, mas a descida é rápida e não vê mais nada...
O vidro fechado da janela do menino não lhe permite ouvir o barulho surdo do contato do corpo contra o chão...
E o menino chora a morte de quem não conhece, e chora a sua triste vida, que também desconhece.

Novela das Segundas-feiras - Capítulo 4

Ao escutar aqueles ruídos tão familiares a qualquer adulto, Solépatra dá uma breve espiada pela porta da cozinha e constata o que temia: Alejandríssimo e Sofismática eram amantes... num tórrido momento de paixão, o jardineiro estava por trás da cozinheira, que debruçada sobre o fogão gemia qualquer coisa dizendo pra ele comer o seu prato preferido... Sorrateiramente, sem denotar sua chegada, Solépatra sobe ao seu quarto, abre o armário secreto, liga os monitores do circuito interno de televisão e assiste com admiração aquela cena nada sacra... Uma, duas, três... essa cozinheira é insaciável!!!! Uma, duas... esse jardineiro é um tigre feroz!!! Com ciúmes incontroláveis, Solépatra começa a"fumar numa quenga" (termo tipicamente nordestino, que significa ficou furiosamente incontrolável)!!! Como pode isso!!!?? Como estas coisas acontecem comigo!!!?? Com nítidos ciúmes, Solépatra começa a maquinar vingança! Mas qual o motivo de seus ciúmes? QUERIDOS LEITORES, SERIA MUITO INTERESSANTE SE VOCÊS VOTASSEM AÍ AO LADO OS MOTIVOS DE CIÚMES DE SOLÉPATRA, MAS TEMOS QUE DEFINIR DUAS COISAS NESTE CAPÍTULO:

Novela das segundas - Capítulo 3

Ao cair na enorme cratera feita pela chuva e ver sua BMW comprada com dinheiro espúrio, vindo do caixa dois de sua empresa de transportes, Solépatra abre num ímpeto seu porta-luvas, pega sua Magnum 44 - Parabellum, com cabo de madrepérola, toda niquelada, que brilhava tanto quanto brinco de perua em reveillon, olha para a multidão atônita com seu acidente, abre a porta de sua ex-possante-BMW e sai com a arma na mão...Pânico, gritos... vai atirar, vai atirar... corram... se deitem... uma babel daquelas na parada do ônibus...Solépatra tava nem aí pra gritaria e correria... desce do carro molhando sua bela Djon e enxarcando sua botas pretas italianas, feitas com couro legítimo de jacarés bebês recolhidos do criadouro natural do pantanal matogrossense, olha pro estado em que ficou seu carro:Pega de sua bolsa um bom e gostoso cigarrete cubano e aponta sua magnum para si...- Vai se matar... corram... não faça isso!! - Corram - algazarra...As pessoas das calçadas gritavam como galinhas em galinheiro que entrou raposa...Ninguém entendia nada, e qualquer um entenderia tudo...Acende seu cigarrete com a pistola-magnum-isqueiro... dá uma bela baforada e pensa com seus botões:- Viva o seguro total!!!O ar esnobe, estava cada vez mais esnobe... Solépatra vai à calçada e pede um celular emprestado de uma adolescente que via tudo... Ligou pro escritório:- Mande Agonivaldo vir me buscar... dá o endereço, e atravessa a rua para não ficar do lado daquela gente que só usa Avanço ou Très Brüt de Marchant.Quando sobe na calçada, uma Brasília 1900... e alguma coisa passa e levanta uma parede de água que lhe cobre... lhe lava da cabeça aos pés...Quando Agonivaldo chega, Solépatra pega seu celular e liga pra seguradora... e volta para casa... e manda recado para dona Sonambulina, sua secretária, que só irá trabalhar à tarde, e que transfira todas as ligações para sua casa.Ao chegar em casa, ouve aquele silêncio sepulcral... as crianças na escola... só o jardineiro e a cozinheira em casa, quando escuta alguns gemidos na cozinha...